“Sentimentos estranhos vêm à tona nesta celebração pós-Natal. A felicidade parece estar entrelaçada com a dor, o sofrimento e a tristeza. Mas em tudo isto existe um desígnio profundo e misterioso de Deus sobre o seu próprio Natal, sobre a salvação do homem.”
Cristo nasceu!
Queridos irmãos e irmãs em Cristo, hoje é terça-feira, 10 de janeiro de 2023, e em nossa pátria, a Ucrânia, já estamos no 321º dia da grande guerra em vasta escala que o invasor russo trouxe para nossa terra sofrida.
Também o dia de ontem e a noite que acabou de terminar foram muito difíceis para a Ucrânia. Há uma escalada acentuada do confronto militar na linha de frente e intensificação dos bombardeios que o ocupante russo inflige em todas as áreas ao longo da linha de frente, especialmente, nas cidades e vilas onde quer que ele alcance com sua arma homicida. O epicentro do confronto militar é, mais uma vez, o nosso Donbass e a cidade de Bakhmut, já conhecida em todo o mundo como símbolo da resistência ucraniana, à qual se juntou agora Soledar, cidade a norte de Bakhmut.
Precisamente ontem, de acordo com relatórios do Estado-Maior da Ucrânia, o inimigo lançou uma poderosa ofensiva em Soledar, enviando para lá um grande número de homens. Na realidade, a cidade de Soledar não existe mais, mas todos os seus arredores estão cobertos por montanhas de cadáveres de ocupantes russos. No entanto, o inimigo não para seus ataques nem por um momento. Cada centímetro desta terra ferida está coberto, encharcado, regado com sangue humano. Hoje Soledar é a imagem da loucura russa, quando se tenta alcançar objetivos políticos por meios militares, ignorando completamente a vida e a dignidade de seus soldados.
O inimigo está tentando bombardear cidades e povoados pacíficos, os lugares onde há maior concentração de pessoas. Parece que, principalmente nos últimos dias, o inimigo está bombardeando deliberadamente os mercados, ou seja, aqueles lugares onde as pessoas vão e ficam para comprar comida. A parte oriental da região de Kharkiv foi novamente atingida por fortes bombardeios. O inimigo está sempre bombardeando Kherson. Ontem à noite, a cidade de Ochakiv, na costa do Mar Negro, sofreu um duro golpe. Às nove horas da noite passada, um alarme de ataque aéreo soou em nossa região de Dnipropetrovsk e as cidades de Nikopol e Marganets se viram no centro dos ataques de lançadores de foguetes russos.
Apesar do sangue, das lágrimas, do fogo, da destruição, do frio, a Ucrânia resiste! A Ucrânia luta! A Ucrânia reza!
E nós, segundo os nossos ritmos litúrgicos, continuamos a celebrar o Natal. Esses dias são chamados de dedicação do Natal, e hoje a Igreja do Oriente homenageia a memória dos 20 mil mártires queimados em Nicomédia. Em certo sentido, o ritmo litúrgico da celebração da Natividade de Cristo une, por um lado, a felicidade de vir até nós na carne de nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo e, por outro, recorda-nos todos o drama daquelas circunstâncias que nosso Senhor e Salvador assumiu pessoalmente. Sentimentos estranhos vêm à tona nesta celebração pós-Natal. A felicidade parece estar entrelaçada com a dor, o sofrimento e a tristeza. Mas em tudo isto existe um desígnio profundo e misterioso de Deus sobre o seu próprio Natal, sobre a salvação do homem.
O Menino Jesus não vem ao homem como Deus para ser servido, não como aquele que exige obediência cega, o medo. Não como quem humilha ou obriga a aceitar sua presença. Não se apresenta como um impondo-se ao outro. Em vez disso, ele entra na história humana como o menor dos homens, o mais fraco. Então dirá de si mesmo: «O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida» · Do Evangelho segundo Marcos (10,35-45).
Precisamente aquelas circunstâncias, que acompanham o Natal de Cristo, parecem ilustrar o caminho humilde da presença de Deus no homem através do mistério do Natal. Ele mesmo vem como servo. Entre na história da dor humana, sofrimento, paciência, exílio, perda e luto. Pode-se dizer que o próprio Deus vem do ser humano e se inscreve em seu nome para inscrever o nome de cada pessoa no livro da vida no céu.
Os Santos Padres dizem que é possível distinguir três momentos, três fases da vinda de Deus do homem, três maneiras pelas quais o Filho de Deus Jesus Cristo entra na história humana e se aproxima de cada um de nós. A primeira fase é o seu nascimento entre nós, a sua habitação entre os homens na natureza humana, a sua presença divina pessoal entre os homens, a sua vida terrena, que começou no Natal, que terminará no seu sofrimento, morte e ressurreição.
O segundo modo, a segunda fase da vinda, da constante aproximação de Deus ao homem realiza-se no corpo da sua Igreja. Hoje Ele vem a cada um de nós através da comunidade dos seus discípulos, através da comunidade dos cristãos, dos crentes do nosso tempo. Hoje, de modo especial, Ele inscreve o seu nome no nosso, e por isso procura inscrever os nossos nomes no livro da vida no céu através dos sacramentos da Igreja de Cristo. Em particular, o faz por meio do sacramento do batismo e da unção. O ápice da presença de Cristo vivo entre nós na Igreja hoje é o mistério da Eucaristia: o mistério de seu corpo e sangue entre nós.
Na primeira e segunda etapas, Ele vem até nós como um servo humilde, que parece se dar nas mãos de uma pessoa, tornando-se fraco e indefeso diante de um ser humano. Ele se entrega a nós e por nós. Mas no terceiro estágio ele virá em sua grandeza e julgará os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim. E esta vinda final na grandeza do nosso Salvador será, por um lado, o coroamento da história e, por outro, será uma felicidade para aqueles que o conheceram nas etapas anteriores. Será uma felicidade para aqueles que permitiram que ele servisse a nós, que acreditaram nele quando ele assumiu a aparência, a imagem de um servo. E será terrível para aqueles que em sua imagem de servo o desprezaram, o rejeitaram, o difamaram, o desprezaram ou até o crucificaram em seus corações.
Hoje, na festa do Natal, Cristo quer estar conosco, partilhar as circunstâncias da nossa vida histórica. Cristo veio até nós em corpo humano, assumindo o aspecto de um servo, para inscrever o seu nome de Deus eterno neste povo martirizado, o povo da Ucrânia; suportar nossas dores, nossos sofrimentos, e também nossos medos e enfermidades, e nossos infortúnios. Hoje quer inscrever-se no destino de todos aqueles que vivem o momento mais difícil. Hoje chora com quem chora e luta com quem luta para proteger a dignidade humana e a liberdade do seu povo. Nós o saudamos com a alegre saudação “Cristo nasceu!” e repondemos “Vamos louvá-lo”! Glorificamos, portanto, o nosso Salvador recé, nascido, não somente com as palavras, mas com a nossa vida, as nossas ações, o nosso amor e respeito por aqueles que hoje são os mais humildes, os mais fracos entre nós.
Deus abençoe a Ucrânia! Deus abençoe nossos defensores! Deus, você nasceu hoje entre nossas meninas e meninos perto de Bakhmut e Soledar, perto de Kamyanske e perto de Kherson. Deus, você que veio para nos servir, permita-nos recebê-lo e glorificá-lo em seu Natal entre nós hoje. Deus, abençoe a Ucrânia com Sua paz celestial!
Que a bênção do Senhor esteja sobre vocês por meio de Sua graça e amor pela humanidade, agora e para todo e sempre, amém!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Svyatoslav+
Pai e Primaz da Igreja Greco-Católica Ucraniana
10.01.2023