Hoje, há um real perigo de uma Igreja clerical, autorreferencial. No contexto de uma Igreja sinodal, o ministério ordenado precisa de ser repensado, pois os ministros ordenados configuram a sua vida com Cristo e têm o múnus de governar, de ensinar, de santificar.
Após a apresentação do Documento Preparatório do Sínodo dos Bispos, em 07 de setembro de 2021, sobre o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, as dioceses de todo o mundo estão se organizando para corresponderem a este grande desafio.
Em Roma o início oficial com o Papa será nos dias 9 e 10 de outubro e no dia 17 do mesmo mês começa o processo sinodal em cada uma das Igrejas particulares.
Humildade como marca
A Igreja sinodal que o Papa Francisco nos pede para construir tem a marca da humildade. É uma Igreja que se reconhece como instrumento nas mãos de Deus. É a Igreja da escuta, pois uma Igreja sinodal não me coloca acima do outro, mas a caminho com ele. A escuta pressupõe a humildade de me perceber a caminho com outros.
Repensar o modo de ser pastor
A sinodalidade não é apenas um método ou um conjunto de estruturas, mas um modo de ser Igreja. Uma Igreja que se reconhece humildemente a caminho, que não deve ser autossuficiente, autorreferencial, clericocêntrica, na qual os fiéis leigos são apenas destinatários passivos da ação dos ministros ordenados, que só cumprem ordens daqueles que presidem às comunidades. Este clericocentrismo precisa acabar e a realização deste Sínodo sobre a Sinodalidade é o momento oportuno para isso, mas a partir dos próprios ministros ordenados (bispos, presbíteros e diáconos) que hão de pensar de modo novo o seu modo de ser e de estar no meio do povo.
Sem dúvida, este é um dos aspectos em que a sinodalidade necessita ser aprofundada. Porque a sinodalidade acontece no contexto de uma Igreja hierarquicamente organizada, de uma Igreja que não relativiza o ministério ordenado, que precisa dele como ministério de presidência. Não podemos esquecer que os ministros ordenados recebem o sacramento da ordem, configuram a sua vida com Cristo, cabeça da Igreja, e têm o múnus de governar, de ensinar, de santificar. Recebem uma autoridade própria.
Portanto, o ministério ordenado não é relativizado pela sinodalidade, mas que, no contexto de uma Igreja sinodal, tem de ser repensado: o modo de ser pastor numa Igreja sinodal como fiador de comunhão, de unidade, aquilo que se chama um ministério de harmonização e de síntese, que é capaz de respeitar e promover os dons, carismas e ministérios de cada um, sempre nesta perspectiva da igual dignidade de todos os batizados.
Na proximidade sentir e acompanhar
No contexto de uma Igreja sinodal, em caminho conjunto, o modo de ser pastor deve ser marcado pela proximidade e pelo acompanhamento. Há aqui um modo de ser pastor, como aquele que vai à frente apontando o caminho, que caminha no meio no povo de Deus para perceber melhor suas felicidade e tristezas, seus anseios e medos, e para ingressar neste colóquio e nesta escuta recíproca, mas que também vai atrás e que é capaz de acompanhar e socorrer os últimos.
Caminhar com todos
É necessário que num processo sinodal sejam incluídos não só os organismos já constituídos, mas também outras realidades, para que o caminho se faça com todos e não apenas com os que estão mais próximos.
Facilmente escutamos mais as nossas estruturas eclesiais. Quais são os membros de um Conselho Paroquial de Pastoral? Qual foi o critério de escolha para lá estarem? Por exemplo, o CPP costuma ter a representação de todos os organismos paroquiais, de pastorais, associações e movimentos que estão na paróquia.
Porém, participa do CPP alguém que representa a classe operária que vem à missa dominical e que não tem nenhum cargo eclesiástico ali na paróquia? Geralmente, temos representação dos grupos de ação social e caritativa, mas temos alguém que esteja ali na sua condição de mais frágil?
Pluralidade e comunhão
Um processo sinodal é espaço para escutar o que Espírito diz à Igreja e as diferentes vozes e opiniões. Dar lugar à pluralidade num caminho de comunhão procurando um consenso com a contribuição de todos. Por isso, num processo sinodal as diferentes vozes devem estar necessariamente presentes. O consenso e a comunhão aparecem no final de um trajeto.
O Papa Francisco diz que “cada um deve falar com liberdade e escutar com humildade”. Ele até utiliza o termo parresìa para falar de uma liberdade desafogada. E neste sentido há lugar para a pluralidade; e a sinodalidade só pode acontecer num caminho assim. Contudo, isto deve desembocar num caminho de unidade. Caminhamos em conjunto na diversidade de opiniões, com cada um dando sua contribuição. E é esse consenso e essa comunhão que o caminho sinodal gera e que não é uma maioria; isto distingue-o do parlamento porque se trata de uma Igreja comunhão que não gera uma maioria, mas um consenso e uma comunhão com a contribuição de todos.
A Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos acontecerá em outubro de 2023, mas até lá há um longo caminho a percorrer nas fases diocesana e continental. Um caminho conjunto de comunhão, participação e missão. Para que mais do que “produzir documentos” seja possível “fazer florescer a esperança”.