Sínodo: “Quem se coloca a caminho coloca-se numa perspetiva de metamorfose, de mudança”

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A propósito do recente livro do Papa “Caminhar Juntos”, o padre Sérgio Leal, especialista em sinodalidade, afirma que para Francisco a sinodalidade deve moldar o agir da Igreja tornando operativo o Concílio Vaticano II. Sublinha que para caminhar juntos em Igreja não é possível viver em modo hierárquico.

Rui Saraiva – Portugal

Foi apresentado na passada quarta-feira, dia 30 de novembro no Vaticano o livro do Papa Francisco “Caminhar juntos. Palavras e reflexões sobre a sinodalidade”, publicado pela Livraria Editora Vaticana. Trata-se de uma obra que recolhe os discursos de Francisco sobre o Sínodo.

Em língua portuguesa um dos especialistas principais em sinodalidade é o padre Sérgio Leal, natural da diocese do Porto, que em outubro de 2021 publicou o livro “O caminho sinodal com o Papa Francisco”.

O sacerdote português defendeu em 2018, na Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, uma tese de licenciatura em Teologia Pastoral sobre a sinodalidade como estilo pastoral. Está em fase de conclusão o seu doutoramento sobre esta mesma temática.

O padre Sérgio Leal é pároco da Sé do Porto, formador no Seminário Maior do Porto e professor na Universidade Católica Portuguesa. Durante o processo sinodal iniciado pelo Papa Francisco em 2021 tem colaborado com várias dioceses em palestras e reflexões, com especial destaque para a sua participação em julho passado no 7ºEncontro Nacional da Pascom, a Pastoral da Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Tornar operativo o Concílio Vaticano II

 

Em entrevista o sacerdote afirma que para o Papa Francisco a sinodalidade deve moldar o agir da Igreja, caminhando juntos, com todo o povo de Deus.

“Para o Papa Francisco sinodalidade é sinónimo de caminhar juntos. O título deste livro agora lançado traduz isso muito bem. “Camminare Insieme” é de facto aquilo que o Papa entende por sinodalidade. Nos seus discursos sempre que aborda a sinodalidade recorrentemente volta à etimologia da palavra para dizer “caminhar juntos”. Quem? Todo o povo de Deus. Percebemos que o sujeito da ação da Igreja é todo o povo de Deus. E sublinhando isto, sublinha uma dinâmica de movimento e de conversão pastoral partindo da identidade da Igreja, pois sinodalidade, como diz o Papa, é uma dimensão constitutiva da Igreja, que por isso deve moldar o seu agir”, diz o sacerdote.

Para o especialista, o Papa Francisco quer com a sinodalidade tornar operativo o Concílio Vaticano II. Sublinha a importância da eclesiologia de comunhão.

“Este caminhar juntos tem que se traduzir, em primeiro lugar, num verdadeiro caminho conjunto. Isto é, concretizar e sublinhar a eclesiologia de comunhão. O Papa Francisco quer com a sinodalidade tornar operativo aquilo que foi o Concílio Vaticano II. Não é de ânimo leve que dizem que este processo sinodal que estamos a percorrer é um dos momentos mais importantes na vida eclesial depois do Concílio Vaticano II. E o teólogo Christoph Theobald diz que o Papa Francisco é um dos mais originais intérpretes do Vaticano II, porque sendo o primeiro Papa depois do Vaticano II, que não participou nele, possui uma distância que lhe permite ingressar no Concílio com uma outra visão e achar na sinodalidade um modo de tornar operativo tudo isso. Sinodalidade é para o Papa Francisco sinónimo de caminho conjunto que depois se desdobra no colóquio e na escuta. A Igreja sinodal é a Igreja da escuta. Uma Igreja que se coloca permanentemente a escutar, escuta da voz de Deus, para nessa voz escutar o grito do povo. E escuta do povo de Deus para nela respirar a vontade de Deus. E esta escuta acontece para se tornar mais presente e efetiva a resposta à pergunta que deve mover a vida da Igreja: o que é que o Espírito Santo pede à Igreja que faça aqui e agora? E isto faz-se escutando a voz de Deus e escutando a voz do povo”, salienta.

O padre Sérgio Leal afirma que “quem se coloca a caminho coloca-se numa perspetiva de metamorfose, de mudança e de conversão”. E para tal não é possível viver em “modo hierárquico”.

“Esta sinodalidade é para o Papa Francisco uma dimensão constitutiva, faz parte da sua identidade, molda o seu agir e, como dizia o cardeal Grech, é algo que tem acontecido no magistério do Papa gradualmente apontando o discernimento como algo fundamental. A procura daquilo que o Senhor nos pede não pode acontecer de modo hierárquico, mas na comunhão eclesial, porque aí se realiza aquilo que é a Igreja enquanto povo de Deus e aquela que é a missão da Igreja no horizonte da evangelização. Por isso, para o Papa Francisco a sinodalidade coloca-nos num horizonte de conversão pastoral. A própria palavra sinodalidade nos aponta isto: quem se coloca a caminho coloca-se numa perspetiva de metamorfose, de mudança e de conversão, mas isto só acontece caminhando juntos, caminhando como povo de Deus, numa pastoral que deixa de ser clericocêntrica para ter no seu centro Jesus Cristo e o Espirito Santo como protagonista da missão que se concretiza no caminho conjunto de todo o povo de Deus”, refere o sacerdote português.

O sacerdote sublinha ainda que apesar de o Concílio Vaticano II não utilizar a palavra sinodalidade, tem em si os seus pressupostos de comunhão e corresponsabilidade.

“A sinodalidade reúne em si a eclesiologia do Concílio Vaticano II. Curiosamente, o Concílio Vaticano II nunca utiliza a palavra sinodalidade, mas tem todos os pressupostos: a eclesiologia de comunhão, a igual dignidade de todos os batizados, a corresponsabilidade na missão. Ou seja, são elementos fundamentais que estão na base da sinodalidade. E, portanto, a sinodalidade reúne por um lado a fundamentação teológica que o Concílio Vaticano II apresentou, por outro lado a sinodalidade permite tornar operativo tudo isto. Quem abre o coração e a vida para este processo sinodal percebe que entra num caminho de conversão pastoral. Percebe que aquilo que se diz de dimensão constitutiva da Igreja tem de se fazer operativo. Por isso, o Papa diz que a Igreja ou será sinodal ou não será aquilo que o Senhor espera dela. Mas a verdade é isso mesmo: se a Igreja é o povo de Deus que caminha na unidade do Pai, do Filho e do Espirito Santo, se a sinodalidade é um caminho conjunto de todo o povo de Deus, portanto, Igreja e Sínodo são sinónimos como diz S. João Crisóstomo. E então a Igreja ou é sinodal, realizando operativamente nas suas estruturas e processos eclesiais este estilo sinodal, ou estaremos a distanciar-nos daquele que é o sonho de Deus para nós”, declara o padre Sérgio Leal.

Após a fase diocesana, o Sínodo terá nos primeiros meses do ano de 2023 momentos de especial encontro e reflexão. Serão as assembleias sinodais continentais entre janeiro e março.

“Alarga o espaço da tua tenda” é a frase do profeta Isaías que serve de inspiração para esta nova fase do processo sinodal e que dá título ao Documento para a Etapa Continental (DEC) recentemente publicado.

O Sínodo iniciado pelo Papa Francisco em 2021 propõe um caminho conjunto cada vez mais alargado de comunhão, participação e missão. Para que mais do que “produzir documentos” seja possível “fazer florescer a esperança”.

Em outubro de 2023, em Roma, decorre a primeira sessão do Sínodo. Em 2024 será a segunda sessão.

Laudetur Iesus Christus

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