Srebrenica, uma ferida aberta no coração da Europa

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No trigésimo aniversário do massacre de Srebrenica, recorda-se as mais de oito mil vítimas assassinadas pelas forças sérvias da Bósnia lideradas por Ratko Mladic, agora condenado à prisão perpétua e mantido na penitenciária do Tribunal de Haia, em Scheveningen. O Dia Internacional da Memória do Genocídio de Srebrenica foi estabelecido pela Assembleia das Nações Unidas em 2024.

Valerio Palombaro – Vatican News

Srebrenica continua sendo uma ferida aberta no coração da Europa. Trinta anos após o massacre de mais de 8.300 muçulmanos bósnios pelas milícias sérvias da Bósnia lideradas pelo General Ratko Mladić — que o Tribunal Internacional de Justiça reconheceu como genocídio em 2007 — muitas famílias ainda esperam enterrar seus entes queridos. Os restos mortais de sete pessoas assassinadas entre 11 e 18 de julho de 1995 foram sepultados, nesta sexta-feira (11/07), no memorial de Potočari. Eles se juntam aos mais de 7.000 já identificados e devidamente enterrados. No entanto, cerca de 1.000 outras pessoas continuam ainda desaparecidas: a imprensa local noticiou que os restos mortais de mais 47 corpos foram exumados, mas suas famílias não permitiram o enterro porque os restos mortais consistem apenas em pequenos fragmentos de ossos.

A dor dos sobreviventes

A dor das famílias e das “mães de Srebrenica”, que ainda choram as muitas vítimas jovens, é apenas uma parte do passado que permanece nos povoados do Vale do Drina. O massacre de Srebrenica marcou um dos capítulos mais duros das guerras que ensanguentaram os Bálcãs nos anos 90, após a dissolução da antiga Iugoslávia. Os combates em território bósnio começaram em 1992, quando Sarajevo declarou sua independência da Iugoslávia após um referendo. Os sérvios da Bósnia, que tinham boicotado o referendo, iniciaram uma guerra contra o governo bósnio, apoiados pelo governo da Sérvia de Slobodan Milošević. O objetivo era garantir a anexação das áreas de maioria sérvia-bósnia à “Grande Sérvia”. Os numerosos “enclaves” de maioria muçulmana foram, portanto, alvos dos sérvios-bósnios, numa operação de limpeza étnica com destruição de povoados, massacres e expulsões em massa.

Responsabilidades internacionais

Srebrenica e as aldeias vizinhas no Vale do Drina foram um dos principais obstáculos ao plano de anexar o território à Sérvia. Em julho de 1995, o exército sérvio-bósnio invadiu a área anteriormente declarada como “zona segura” pelo Conselho de Segurança da ONU. Os sérvios da Bósnia mataram brutalmente milhares de homens e meninos e expulsaram 20 mil pessoas da cidade. Uma unidade pequena e mal armada de Capacetes Azuis holandeses, sob a bandeira da ONU, não conseguiu resistir às forças sérvias da Bósnia. Tanto que, em 2017, o Tribunal de Apelação holandês considerou o Estado “parcialmente responsável” pelas mortes de cerca de 300 muçulmanos em Srebrenica porque seu Exército forçou os bósnios, que estavam buscando abrigo em seu complexo, a deixar a base, “privando-os da possibilidade de sobrevivência”, diz a sentença, embora “esses homens teriam morrido mais tarde, mesmo que tivessem permanecido no campo”. Quatro anos depois, no entanto, o governo holandês indenizou os veteranos do batalhão Dutchbat III com 5.000 euros pelas “circunstâncias excepcionais em que os soldados tiveram que agir 25 anos atrás”. Até porque, de acordo com essa reconstrução, os pedidos de intervenção do comando holandês entraram em conflito com a indecisão política da ONU e a lentidão do aparato internacional.

O porvir suspenso dos Bálcãs

Atualmente, os Bálcãs permanecem no “limbo”, suspensos entre o passado de “barril de pólvora”, o presente uvidoso e a esperança de um porvir europeu. Entre os países da antiga Iugoslávia, apenas a Eslovênia e a Croácia conseguiram ingressar para a UE, enquanto essa aspiração não realizada lança uma aura de indefinição e instabilidade latente sobre os outros. Em particular, a Bósnia e Herzegovina, que emergiu da terrível guerra entre 1992 e 1995 com uma arquitetura institucional complexa sancionada pelos acordos de Dayton, que a dividiram em duas entidades: a sérvia, República Sérvia (49% do território), e a muçulmana-croata (51%). O sistema de Dayton, que tem como objetivo equilibrar as relações entre os três povos constituintes do país (cerca de 50% da população bósnia é muçulmana, 30% sérvia e 15% croata), hibernou a Bósnia e Herzegovina em 1995. O sonho de um Estado democrático e funcional foi esmagado pelo peso do nacionalismo e pelos fantasmas do passado.

Retórica negacionista

A retórica secessionista atualmente em voga na República Sérvia está associada a uma reconciliação nacional incompleta. Banja Luka e Sarajevo têm opiniões opostas sobre a resolução, promovida pela Alemanha e Ruanda, com a qual a Assembleia Geral da ONU estabeleceu, no ano passado, 11 de julho como o Dia Internacional de Memória do Genocídio de Srebrenica, condenando toda negação deste evento histórico. O negacionismo, no entanto, ainda é generalizado entre a liderança sérvia da Bósnia, embora se deva reconhecer que, em Belgrado, algumas medidas foram tomadas ao longo dos anos para superar o passado. Foi o que aconteceu em 2015, quando o então primeiro-ministro sérvio Aleksandar Vučić visitou o memorial de Potočari no vigésimo aniversário do massacre de Srebrenica. Em apenas alguns minutos, a visita trouxe à tona a instabilidade da fronteira entre o passado e o presente nos Bálcãs: após se reunir com representantes da Associação de Mães de Srebrenica, Vučić foi obrigado a deixar o memorial em meio a pedradas e garrafas lançadas, enquanto outras pessoas içavam uma faixa com os dizeres “Para cada sérvio, 100 muçulmanos mortos”, uma frase que o atual presidente da Sérvia pronunciava quando era ministro no governo Milošević durante a guerra. A situação não mudou muito nos últimos dez anos.

As palavras de São João Paulo II

As palavras proferidas por São João Paulo II quando conseguiu realizar a tão esperada viagem a Sarajevo, em abril de 1997, ainda parecem uma miragem: «Como num mosaico, é necessário que cada componente desta região tenha garantida a preservação da sua própria identidade política, nacional, cultural e religiosa. A diversidade é riqueza quando se torna complementaridade de esforços a serviço da paz, para a construção de uma Bósnia e Herzegovina verdadeiramente democrática». A esperança é que as gerações jovens dos Balcãs, que não viveram diretamente o período sombrio das guerras, embora mantenham viva a memória de Srebrenica, possam abrir as portas da reconciliação para superar definitivamente o que o Papa Wojtyła, poucos dias após o massacre, chamou de “um dos capítulos mais tristes da história da Europa”.

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