Sudão do Sul: uma paz frágil, mas necessária a ser preservada

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O acordo de paz de 2018, que pôs fim à sangrenta guerra civil, corre o risco de naufragar. A prisão do vice-presidente Machar mostra todas as dificuldades de uma transição democrática que deve culminar, em 2026, com as primeiras eleições na história do “jovem” país africano. O gesto do Papa Francisco que, em 2019, acolheu os antigos rivais, no Vaticano, é hoje um chamado forte para a urgência de preservar a paz.

Valerio Palombaro – Vatican News

O Sudão do Sul corre o risco de voltar ao pesadelo da guerra civil. As tensões das últimas semanas, que culminaram na prisão do vice-presidente Riek Machar, fazem com que o dia 11 de abril, de seis anos atrás, quando o Papa Francisco recebeu os novos líderes políticos do Sudão do Sul, no Vaticano, pareça tão distante, um dia após o acordo mediado pela Igreja para pôr fim à luta interna que ensanguentou o “jovem” país africano com 400 mil vítimas de 2013 a 2018.

O gesto do pontífice e a urgência da paz

Mas o forte gesto de Francisco, que, quebrando o protocolo, se curvou para beijar os pés dos antigos rivais, o presidente Salva Kiir e o vice-presidente Riek Machar, retorna hoje com toda a sua força perturbadora para enfatizar a urgência de preservar a paz. A antítese sul-sudanesa, após a prisão de Machar, declarou o acordo de paz de 2018 “revogado”. No entanto, a Comunidade internacional tomou medidas para evitar uma retomada ruinosa das hostilidades.

Guerra no vizinho Sudão e instabilidade no Chifre da África

Os esforços de mediação em Juba foram confiados ao ex-primeiro-ministro queniano Raila Odinga, nomeado pela Comunidade da África Oriental como enviado para evitar a eclosão de um conflito que, nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, “o Chifre da África, já em crise, não pode suportar”. O Sudão do Sul, uma das nações mais pobres do mundo, apesar de seus vastos recursos petrolíferos, recebeu nos últimos dois anos milhares de deslocados pela guerra no vizinho Sudão. Um fardo a mais para um país extremamente frágil, que há sete anos conseguiu deixar para trás o doloroso capítulo da guerra civil, que eclodiu após a independência em 2011, com um acordo de partilha de poder entre os líderes das facções em guerra: Kiir e Machar.

O adiamento das eleições

Os alertas sobre a fragilidade do acordo, que surgiram claramente nas últimas semanas com o aumento do conflito político e o retorno dos episódios de violência, já tinham sido vistos no final de 2024, quando o presidente Kiir adiou a data crucial das eleições por dois anos. Uma das disposições fundamentais do acordo de paz, sem a qual a transição democrática não pode ser considerada definitivamente concluída. Ainda mais porque o Sudão do Sul nunca realizou eleições desde a independência 14 anos atrás.

O apelo da Igreja local

A Conferência Episcopal do Sudão e do Sudão do Sul (SSCB) expressou, nos últimos dias, sua opinião sobre a crise no Sudão do Sul. “A prisão de líderes da antítese e o envolvimento de forças militares estrangeiras, particularmente a mobilização das Forças de Defesa do Povo de Uganda, só aumentaram o medo e a desconfiança. Tais ações correm o risco de transformar nosso amado país num campo de batalha para interesses externos e manipulação política”, ressalta a declaração de 28 de março assinada pelo cardeal Stephen Ameyu Martin Mulla, arcebispo de Juba e presidente da SSBC. “Alertamos nossos líderes: se o Sudão do Sul recair na violência em larga escala, as consequências serão catastróficas”, continuam os bispos no documento, acrescentando: “A perda de vidas humanas, o colapso da unidade nacional e o colapso de instituições já frágeis serão devastadores para as gerações futuras”. Os bispos também convidam a sociedade civil, os jovens e a Comunidade internacional a se unirem contra a guerra e trabalharem pela paz. “Continuamos prontos para mediar um acordo, ser uma voz para os que não têm voz e trabalhar lado a lado com todos aqueles que buscam uma paz autêntica”, afirma a mensagem no final.

O alarme da ONU

“O Sudão do Sul está à beira de um novo conflito”, alertou Nicholas Haysom, chefe da missão da ONU no Sudão do Sul (UNMISS), no final de março. “Uma retomada da guerra civil devastaria o Sudão do Sul e teria repercussões em toda a região”, acrescentou Haysom, denunciando vários ataques aéreos contra civis no nordeste do país. A luta pelo poder e, portanto, a necessidade de eleições democráticas, continuam sendo as principais questões a serem resolvidas. De acordo com vários analistas, Salva Kiir, 73 anos, vem tentando há meses garantir sua sucessão isolando Machar politicamente. Desde o início de fevereiro, mais de 20 aliados políticos e militares do vice-presidente foram presos. O “braço armado” do partido de Machar também acusou as forças de segurança leais a Kiir de atacar dois dos seus centros de treinamento perto de Juba. Os centros de treinamento foram criados para ajudar a integrar as forças da antítese num único Exército, outra medida não completada do acordo de paz. O caminho do colóquio continua sendo a maneira mais poderosa de superar a lógica do poder, da rivalidade e da guerra. O gesto do Papa, renovado pela viagem ao Sudão do Sul em fevereiro de 2023 e pelo Angelus do último domingo, está aí para nos lembrar isso.

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