A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil nos propôs ler e refletir o livro de Josué durante o mês da Bíblia deste ano. Este livro narra a chegada do povo de Deus às portas da terra prometida depois de 40 anos de caminhada pelo deserto. Em Josué temos o cumprimento da promessa feita por Javé a Abraão em Gênesis 12,1-9. O povo chega à terra prometida e agora começará o processo de conquista. Esse processo não foi ligeiro e “mágico” como a princípio poderíamos imaginar. A conquista total levou mais de 200 anos! Oscilou entre períodos de ocupação mais pacífica e períodos de sérios conflitos bélicos. Os acontecimentos narrados são os que se deram entre o ano 1210 a. C. e o ano 1000 a. C. No entanto, o livro teve sua redação final depois do Exílio da Babilônia, por volta de 450 a. C. O livro de Josué faz parte de um bloco de livros do Antigo Testamento chamado de “Livros Históricos” (Js; Jz; 1/2Sm; 1/2Rs) e que são inspirados no livro do Deuteronômio.
Ao narrar a fidelidade à promessa e a presença constante de Deus, durante a conquista da terra, o escritor sagrado quer falar aos exilados e àqueles que voltaram do Exílio que Javé nunca abandona seu povo; quer reiterar a confiança de que o nosso Deus é “Deus-Conosco”.
Há importantes lições a aprendermos do livro de Josué. É altamente pedagógico percebermos em primeiro lugar que a terra é dom de Deus e que na sua conquista cada tribo de Israel foi tomando posse da porção que era suficiente para a quantidade de membros da respectiva tribo. A tribo com um número maior de pessoas recebia mais terra; a tribo menor, menos terra. Esta é uma relevante lição que o livro nos ensina: ninguém precisa ter mais do que aquilo que lhe é suficiente para viver com dignidade. Como diz um pensamento que circula entre nós, “Há duas maneiras de se ter o suficiente. Uma delas é continuar acumulando mais e mais. A outra é desejar menos”. Outra lição advém da aliança feita entre os espiões de Josué em Jericó e a prostitua Raab. Essa aliança nos ensina a ver no diferente alguém com quem podemos contar e também a ver nos pequenos – uma mulher estrangeira e prostituída – um aliado nas conquistas importantes para todos. Precisamos nos desapegar de certos moralismos mesquinhos que nos impedem de contar com todas as forças positivas para a construção de um projeto de sociedade que prime pelo bem de todos. Ainda mais uma lição que Josué nos traz é a importância da fidelidade ao projeto de Deus. Ao final do livro, na assembleia de Siquém, Josué convoca todo o povo para selar sua Aliança com Javé antes da entrada definitiva na terra e os adverte sobre as consequências desastrosas que poderão advir quando se negligencia a vontade de Deus. Sem a fidelidade à Aliança o risco de idolatrar outros deuses é grande e a idolatria só trará exploração, violência, destruição e morte.
Podemos trazer para os nossos dias todas as lições que o livro de Josué nos ensina: aprender que a terra continua sendo dom de Deus para todos os seus filhos e filhas e que a conquista de direitos deve ser uma luta cotidiana; que o diferente não deve representar para nós ameaça, mas também possibilidade; que os pequenos, uma vez organizados, são capazes de derrubar todas as muralhas que impedem a vida digna para todos; que a fidelidade à vontade de Deus, claramente explicada a nós no Evangelho de Jesus Cristo, é a bússola que nos orientará, sem erro, para a construção de um mundo justo e igual para todos.
Nos encontros mundiais que realizou com as lideranças dos movimentos populares, o Papa Francisco enfatizou três T’s: Terra, Teto e Trabalho. E ele nos dizia: Terra, Teto e Trabalho, aquilo pelo qual vós lutais, são direitos sagrados. Exigi-lo não é estranho, é a Doutrina Social da Igreja”. É direito sagrado de cada pessoa ter onde morar, ter terra para produzir (aqueles que sabem e gostam de trabalhar com a terra), ter trabalho que dignifica a pessoa e a faz co-criadora junto com Deus.
Em 2022 comemoramos 200 anos da proclamação da independência do Brasil. É preciso nos perguntarmos que independência construímos neste tempo, considerando que dispomos de riquezas humanas e naturais incomensuráveis. No atual cenário nosso país tem 33 milhões de famintos e 53,8% de pessoas convivendo com a insegurança alimentar. Esses dados mostram que essa “terra-Brasilis” ainda não foi conquistada e partilhada de modo igualitário entre todos os seus habitantes. E há muito ainda por conquistar. Que não precisemos de mais 200 anos para tal conquista!