Um olhar contemplativo e pastoral sobre os Novendiais

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O que escutamos nas homilias destes dias não foi apenas um tributo ao sucessor de Pedro que agora repousa, mas um verdadeiro sussurro do Espírito, que fala à Igreja sobre seu próprio coração.

Pe. Patriky Samuel Batista – Diocese de Luz MG

Às vezes, Deus não fala com grandes eventos, mas com sinais pequenos, quase imperceptíveis. Como o vento leve que tocou o profeta Elias no Horeb, assim foi o sopro deixado pelo Papa Francisco no coração da Igreja: um sopro que desestabilizou, aqueceu e orientou. Agora que ele partiu, resta o vestígio como a brasa que continua acesa no altar, mesmo depois que a lâmpada se apaga. Quando os cardeais se reúnem em oração e discernimento, algo maior que a soma das suas vozes começa a tomar forma. O que escutamos nas homilias destes dias não foi apenas um tributo ao sucessor de Pedro que agora repousa, mas um verdadeiro sussurro do Espírito, que fala à Igreja sobre seu próprio coração. Como servidor de uma paróquia com menos de 10 mil habitantes no centro-oeste do Estado de Minas Gerais, eu os escutei como um pároco de aldeia que se senta com seu povo à beira do poço com o Mestre: deixando que cada um retire da profundidade do Evangelho a água viva da esperança. O que vimos nesses dias de novendiali não foi apenas o lamento pela morte de um Papa, mas o reconhecimento silencioso de uma paternidade que gerou vida. Os cardeais não apenas pregaram; eles testemunharam. Suas palavras, por vezes solenes, outras quase tímidas, foram como os discípulos a caminho de Emaús: narrando o que viveram com aquele que, enquanto falava, fazia arder o coração. A partir dessas vozes, o Espírito parece murmurar uma palavra que a Igreja precisa guardar no peito: evangelizar é tocar a dignidade ferida com as mãos de Cristo. E isso implica mais do que falar de Jesus: é fazê-Lo presente na justiça, na compaixão, na escuta, na paz, no pão compartilhado, no olhar sem julgamento.

A fé nos diz que o cristianismo não é uma ideia, mas um encontro com uma pessoa. E é isso que os testemunhos revelaram: o Papa Francisco, como chefe da Igreja, fez questão de carregar no seu corpo o encontro com Cristo. Sua autoridade não vinha do cargo, mas do amor que doía. Como quem sofreu por amor à Igreja, ele tornou-se credível. Para muitos corações que habitam o cotidiano de nossas comunidades, um dos dramas da fé em nosso tempo não é acreditar ou não em Deus, mas acreditar que Ele ainda se importa conosco. Que Ele está vivo e atuante no meio de nós! O Papa Francisco viveu respondendo a esse drama com gestos de proximidade: visitando os últimos, lavando os pés dos esquecidos, beijando as feridas da humanidade. Ele não apenas falou sobre Deus; ele deixou Deus aparecer por entre suas rugas, seus silêncios, suas escolhas, suas enfermidades. Aprendemos com ele que a fé precisa tocar a vida. Uma Igreja que não escuta o sofrimento do povo se torna surda também à voz de Deus. O Papa Francisco escutou e transformou essa escuta em caminho sinodal. Escutou as dores do mundo, da Igreja e gritou por todos, mesmo quando a própria voz lhe faltava. Com a leveza dos simples, ele reformou não somente as estruturas, mas muitos corações.

Agora, a Igreja caminha sem sua figura, mas não sem seu perfume. Como um campo regado por lágrimas, deixado em silêncio após a colheita, sua memória nos obriga a prosseguir no caminho dos pobres e dos sofredores. Construindo pontes em lugar de muros. Se os cardeais falaram como discípulos, resta-nos viver como filhos e filhas da Igreja. E prole que herda a missão de ser, como ele foi, sinal da felicidade do Evangelho vivido até o fim. A última palavra do Papa Francisco talvez tenha sido o silêncio. Não o silêncio do medo, mas o silêncio de quem sabe que, ao fim de tudo, só o amor permanece. E se ainda há lágrimas nos olhos da Igreja, que sejam como o orvalho da manhã, preparando a terra para o novo dia que virá. Porque todo luto vivido com fé se transforma em parto. E toda Igreja que, fiel, sepulta um Papa se prepara para renascer mais fiel ainda ao seu Senhor. Hoje, o mundo não se opõe à fé por maldade, mas muitas vezes por feridas. Há um cansaço existencial, uma sede de sentido, um desencanto silencioso que toma conta de muitas almas. As feridas da cultura líquida, do individualismo e do descarte deixam o ser humano como um campo pisoteado por tempestades sucessivas. Evangelizar, então, é acalentar essa terra com paciência e esperança, não com fórmulas prontas, mas com a arte do encontro.

Precisamos de cristãos que não temam a complexidade do mundo, que saibam perder tempo com as perguntas mais humanas, que não confundam firmeza doutrinal com dureza de coração. Cristãos que saibam discernir os gemidos do Espírito nos gemidos dos povos. Uno-me a todos os corações que rezam pelo próximo sucessor de Pedro para que encontre forças para falar de Deus com o perfume da misericórdia e que carregue nos ombros o peso da esperança dos povos. Um Pedro que, mesmo diante do mar agitado, estenda a mão para o Senhor e diga: “Salva-nos!” Por isso, tenho dito aos meus paroquianos com ternura e confiança: não tenhamos medo do Espírito Santo. Ele sabe surpreender. Como surpreendeu em 2013. Como continua a surpreender. E se hoje, em silêncio, caminhamos rumo ao conclave, que seja com a alma em estado de oração, certos de que o Senhor não abandona a sua Igreja. Como dizia uma velha senhora que o Papa Francisco conheceu nos subúrbios de Buenos Aires: “Deus sempre envia o pastor certo quando o rebanho está mais ferido.” Que assim seja. E que Maria, Mãe da Igreja, cubra este tempo com seu manto silencioso e fecundo.

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