Discurso do Papa João Paulo II sobre a Família aos Bispos do Leste em 22/11/2002
Ao longo do meu Pontificado, tenho insistido sobre a importância do papel desempenhado pelo núcleo familiar na sociedade. Recordo, inclusive, que na minha primeira viagem pastoral ao Brasil, destacava sua influência na formação da vossa cultura. Existem valores que sinalizam uma tradição longamente adquirida pela gente brasileira, tais como: o respeito, a solidariedade, a privacidade; valores que nascem de uma origem comum: a fé vivida pelos vossos antepassados. A mulher brasileira, de modo especial, teve sempre um lugar próprio, não intercambiável e fundamental, na origem e na duração de qualquer família. A esposa traz para o casamento e a mãe para a vida da família dotes peculiares ligados à sua fisiologia e psicologia, caráter, inteligência, sensibilidade, afeto, compreensão da vida e postura perante ela, mas, sobretudo, espiritualidade e relação com Deus, indispensáveis para forjar o homem e a mulher do amanhã. Ela constitui o elo fundamental de amor, paz e garantia do futuro de qualquer comunidade familiar.
É certo que existem fatores sociais que têm levado a desestabilizar o núcleo familiar nestas últimas décadas e que foram apontados no Documento de Puebla (572): alguns deles sociais (estruturas de injustiça), culturais (educação e meios de comunicação social), políticos (dominação e manipulação), econômicos (salários, desemprego, pluriemprego) e religiosos (secularismo). Sem esquecer que, em algumas regiões do vosso País, a carência de moradia, de higiene, de saúde e de educação contribui para desestruturar a família.
A estes fatores, une-se a falta de valores morais que abre as portas à infidelidade e à dissolução do matrimônio. As leis civis que favoreceram o divórcio e ameaçam a vida tentando introduzir oficialmente o aborto; as campanhas de controle da natalidade que, ao invés de convidar a uma procriação responsável, através dos ritmos naturais da fertilidade, levaram à esterilização de milhares de mulheres, sobretudo no nordeste, e propagaram o uso de meios anticoncepcionais, revelam agora seus resultados mais dramáticos. A mesma falta de uma informação objetiva e o desenraizamento geográfico prejudica o convívio social, dando origem a um processo desagregador do núcleo familiar nos seus elementos mais essenciais.
Esta situação, apesar dos esforços inegáveis de várias iniciativas pastorais ou de movimentos religiosos, visando à recuperação da visão cristã da família, parece continuar influindo na realidade social brasileira.