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A Solenidade de Cristo Rei, criada em 1925 pelo Papa Pio XI, é celebrada no último domingo do Ano Litúrgico da Igreja. Com esta festividade os católicos fecham a rica experiência litúrgica que celebra o Advento, o Natal, a Quaresma e a Páscoa, permeados pelo Tempo Comum: um itinerário que alimenta a espiritualidade, fortalece a esperança e educa discípulas e discípulos na pedagogia de Jesus.
Ao celebrar a solenidade da realeza de Jesus Cristo, podemos nos questionar: que tipo de Rei é Jesus? Que características diferenciam Jesus de outros reis? Quais são suas especificidades?
A consulta aos Evangelhos nos dá muitas dicas sobre a realeza de Jesus e nos desafia a uma compreensão bastante desconcertante, pois aponta para uma realeza distante dos padrões que marcam as realezas e reinados registrados pela história; um rei na contramão dos padrões e expectativas: 1) um rei sem exércitos, armas e pompas; 2) um rei que morre por amor; 3) um rei que declara que seus seguidores não devem fazer como fazem os outros reis e reinados.
Antes de explorar as três imagens apontadas acima, é interessante ouvir a fala do próprio Jesus ao conversar com Pilatos em João 18, 28-38. No colóquio, Jesus assume ser rei, mas deixa muto claro que sua realeza não é deste mundo. Duas questões interessantes para interpretação da festa de Cristo Rei, pois Jesus não nega sua realeza, mas demonstra, de modo incontestável, haver diferença entre seu reinado e os demais reinados existentes no mundo.
O Rei Jesus manifesta sua realeza entrando, triunfalmente, em Jerusalém (conf. Marcos 11, 1-10). Para além das cenas cinematográficas que possam nos impressionar, a mensagem transmitida contrasta com os ideais de realeza mais comuns da história: montar em um jumentinho contrasta com montar em um cavalo grande, bonito e com armadura; o jumentinho emprestado revela um rei que não tem posses, que não tem patrimônio; as roupas dos presentes colocadas sobre o lombo do jumentinho e lançadas ao chão revelam um rei que dependeu da ajuda dos outros. A entrada triunfal em Jerusalém é permeada por elementos que revelam um rei sem pompas, sem exércitos convencionais, sem armas e estruturas bélicas.
Entre tantas outras coisas, esta reflexão nos permite avaliar o modelo de Jesus que temos na cabeça e no coração, afinal, o paradigma criado pelo próprio Nazareno, na entrada em Jerusalém, implica jeito simples de ser; uma forma não convencional de exercer a realeza, portanto, sob este ponto de vista, não parece coerente celebrar um Cristo Rei pomposo, apoiado em armas, com posturas bélicas e poderoso, ao contrário, parece emergir a imagem de um Cristo que reina a partir da cooperação dos anônimos; que se vale da fragilidade e da simplicidade de um jumentinho e não na exuberância de um cavalo forte e destemido.
Uma segunda questão relevante nasce da inscrição colocada no alto da cruz de Cristo – INRI – uma sigla em latim que se traduz por: Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus (João 19, 19). Mais uma provocação na contramão da convenção, mais um escândalo aos olhos da forma tradicional de pensar a realeza: um rei crucificado, frágil, derrotado, humilhado, fracassado em seus projetos; um rei dominado e torturado diante daqueles a quem prometeu libertar; um rei condenado à morte vergonhosa. O que esperar de um rei nestas condições? O que estes sinais de realeza nos ensinam?
O sofrimento, o fracasso, a cruz e a morte são caminhos de transcendência e revelam um rei cuja principal força é o amor incondicional. Por trás dos sinais que traduzem absoluta fragilidade, há a linguagem do amor que se faz doação plena em favor da vida dos outros, ainda que isto represente o perecimento da vida de quem doa. Jesus é um rei de amor, logo, parece não harmonizar com Ele as posturas de cultivo ao ódio ou as propostas baseadas em estratégias de violência. Um amor que se faz compreensão e acolhida – lembre-se do olhar benevolente direcionado aos soldados que não sabiam o que faziam! –; um olhar que se faz perdão – lembre-se do ‘ladrão’ convidado a ingressar no paraíso! Um rei que vive e fala de amor e não de guerra.
Por fim, em relevante ensinamento a seus discípulos em Marcos 10, 42-45, Jesus orienta seus discípulos a não cultivarem entre eles as mesmas práticas utilizadas pelos chefes das nações. Exorta os discípulos a oporem, às práticas de dominação, comuns às realezas tradicionais, práticas de serviço e humildade. É inspiradora a proposta de um Cristo Rei corajoso o suficiente para dizer que Ele mesmo não veio para ser servido, mas para servir! Um Rei que quebra a lógica de hierarquia e diz que grande mesmo é quem se faz pequeno; que o primeiro é quem se faz o último.
No organograma político do Rei Jesus o lugar de senhorio é ocupado pelo menor, pelo mais simples, pelo mais vulnerável, por aquele que mais precisa de cuidado e compreensão, pois é no serviço a estes que se tem a oportunidade de ser grande. É uma lógica bastante diferente da que predomina nas realezas tradicionais, pois nestas, o sinal de prestígio e grandeza está ligado a ser servido. Jesus é um Rei que nos conclama à diferença, afinal, entre nós não deve acontecer como acontece nas demais realezas. A proposta já era desconcertante para a época de Jesus e o é para a nossa época.
Ao meditar, rezar e celebrar a Solenidade de Cristo Rei é válida uma autocrítica sobre a imagem de Jesus Cristo que temos na mente, no coração, na vida, na prática cotidiana. O reinado de Cristo é incômodo, contraditório, desafiante!