“Salve-se a si mesmo!” “Trata-se duma tentação crucial que ameaça a todos, mesmo a nós cristãos: a tentação de pensar só em se proteger ou ao próprio grupo, pensar apenas nos próprios problemas e interesses”, disse o Papa em sua homilia.
Mariangela Jaguraba – Vatican News
“Rezar juntos é uma dádiva.” Assim, o Papa Francisco iniciou sua homilia no encontro de Oração pela Paz no Espírito de Assis, na Basílica de Santa Maria em Aracoeli, em Roma, na tarde desta terça-feira (20/10), a fim de recordar o encontro convocado por São João Paulo II, em 1986, em Assis. A iniciativa foi promovida pela Comunidade de Santo Egídio.
O Pontífice agradeceu, em particular, a presença do Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, e do presidente do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha, Heinrich Bedford-Strohm.
Tentação de pensar só em se proteger
Em sua homilia, o Papa recordou o trecho da Paixão do Senhor. Enquanto Jesus vive o momento mais elevado da dor e do amor, muitos, sem piedade, lhe diziam: “Salve-se a si mesmo!” “Trata-se duma tentação crucial que ameaça a todos, mesmo a nós cristãos: a tentação de pensar só em se proteger ou ao próprio grupo, pensar apenas nos próprios problemas e interesses, quando tudo mais não importa. É um instinto muito humano, mas mau, e constitui o último desafio a Deus crucificado”, frisou o Papa.
“Salve-se a si mesmo!” Os primeiros a dizê-lo são «os que passavam». Eram pessoas comuns, que ouviram Jesus falar e fazer prodígios. Agora lhe dizem : «Salve-se a si mesmo, descendo da cruz». “Não tinham compaixão, mas desejo de milagres, de o ver descer da cruz”, disse Francisco, acrescentando:
Talvez nós também preferimos às vezes um deus espetacular em vez de compassivo, um deus poderoso aos olhos do mundo, que se impõe pela força e dispersa quantos nos querem mal. Mas este não é Deus; é o nosso eu. Quantas vezes queremos um deus à nossa medida, em vez de nos configurarmos à medida de Deus; um deus como nós, em vez de nos tornarmos como Ele! Mas, desta forma, preferimos o culto do eu à adoração de Deus. É um culto que cresce e se alimenta mediante a indiferença para com o outro. De fato, àqueles que passavam, só lhes interessava Jesus para satisfazer os seus desejos. Mas assim reduzido a um desperdício na cruz, já não lhes interessava. Estava diante dos seus olhos, mas distante do seu coração. A indiferença os mantinha distante do verdadeiro rosto de Deus.
Não descarregar o mal sobre os outros
Os segundos a dizerem “Salve-se a si mesmo” são os príncipes dos sacerdotes e os escribas. “Foram os mesmos que condenaram Jesus, porque representava um perigo para eles.
Aqueles líderes religiosos tomavam os outros como motivo para o acusar: «Salvou os outros, mas não pode salvar-se a si mesmo!». Conheciam Jesus, lembravam-se das curas e libertações por Ele realizadas e fazem uma dedução maliciosa: insinuam que salvar, socorrer os outros não traz bem algum; Ele que tanto se prodigalizou pelos outros, perde-se a si mesmo! A acusação é feita em tom de escárnio e serve-se de termos religiosos, usando duas vezes o verbo salvar. Mas o «evangelho» do salve-se a si mesmo não é o Evangelho da salvação. Antes, é o evangelho apócrifo mais falso, que coloca as cruzes nos ombros dos outros. O Evangelho verdadeiro assume as cruzes dos outros.”
Pensar apenas em si mesmo é o pai de todos os males
“Salve-se a si mesmo”. Até mesmo aqueles que foram crucificados com Jesus se unem ao ambiente de desafio contra Ele.
“Mas, por que motivo aqueles crucificados atacam Jesus? Procuram Jesus somente para resolver os problemas deles”, disse o Papa.
Mas Deus vem não tanto para nos livrar dos problemas, que sempre reaparecem, como sobretudo para nos salvar do verdadeiro problema: a falta de amor. Esta é a causa profunda dos nossos males pessoais, sociais, internacionais, ambientais. Pensar apenas em si mesmo é o pai de todos os males. Mas um dos malfeitores põe-se a observar Jesus, admirando, n’Ele, a amorosa mansidão. E obtém o Paraíso, fazendo apenas uma coisa: deslocando a atenção de si mesmo para Jesus, de si mesmo para Quem estava ao seu lado.
Da cruz, brotou o perdão, renasceu a fraternidade
Segundo o Papa, “no Calvário aconteceu o grande duelo entre Deus que veio nos salvar e o homem que quer salvar-se a si mesmo, entre a fé em Deus e o culto do eu, entre o homem que acusa e Deus que desculpa. E chegou a vitória de Deus; a sua misericórdia desceu sobre o mundo. Da cruz, brotou o perdão, renasceu a fraternidade: «A cruz nos torna irmãos». Os braços de Jesus, abertos na cruz, assinalam uma mudança radical, porque Deus não aponta o dedo contra ninguém, mas abraça a cada um. Pois só o amor apaga o ódio, só o amor vence completamente a tirania. Só o amor dá espaço ao outro. Só o amor é o caminho para a plena comunhão entre nós”.
Francisco concluiu, convidando todos a pedirem “a Deus crucificado a graça de sermos mais unidos, mais fraternos. Quando nos sentirmos tentados a seguir as lógicas do mundo, recordemos as palavras de Jesus: «Quem quiser salvar a sua vida, há de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de Mim e do Evangelho, há de salvá-la». Quanto mais estivermos agarrados ao Senhor Jesus, tanto mais seremos abertos e «universais», porque nos sentiremos responsáveis pelos outros”.