Na capital ucraniana, as pessoas estão voltando à vida normal e à missa. A emergência frio e a falta de eletricidade e aquecimento, após a destruição de várias infraestruturas energéticas, abrem cenários dramáticos para o inverno
Salvatore Cernuzio – Enviado a Kiev (Ucrânia)
Em Kiev o apagão começa já às 3 e meia da tarde, quando o sol cinzento se põe atrás do rio Dnipro. Em uma metade da cidade, as janelas dos arranha-céus e bombas de gasolina brilham; enquanto que a outra metade fica envolta na escuridão total, não fosse por algumas decorações natalinas esparsas penduradas nas varandas. Depois de algumas horas há a troca: onde havia luz, a escuridão toma conta e vice versa. Os habitantes da capital ucraniana vivem nestas condições há semanas, após a destruição de importantes infraestruturas energéticas.
“Atualmente não se ouvem mais tiros como antes”, diz o núncio apostólico na Ucrânia, Dom Visvaldas Kulbokas. Uma frase repetida por muitos dos cidadãos de Kiev, como se quisessem afastar o terror de novos ataques e para confirmar a ideia de que, uma vez terminada a fase mais crítica do conflito, eles serão capazes de resistir até mesmo à “nova situação”. Ou seja, a falta de luz e eletricidade, durante horas e às vezes dias, e a impossibilidade de se aquecer de um frio glacial que cai para três graus abaixo de zero mesmo às 11 horas da manhã. A culpa também é da neve que vem caindo intensamente há dias em toda a cidade, cobrindo as cúpulas douradas das Igrejas Ortodoxas e até mesmo a escadaria da Praça Maidan, o cenário da revolução de 2014.
A viagem para Kiev
Entre os ucranianos, há também os que retornam depois de terem abandonado suas casas. No trem de Przemyśl para Kiev, apenas um vagão estava livre. Viajavam mulheres com crianças e um homem chinês, na Ucrânia – explica – “a trabalho”. A viagem levou dez horas e meia, mais de uma hora de parada na fronteira para verificar cada passaporte com um soldado com a bandeira amarela e azul costurada no braço olhando para o rosto de cada um dos passageiros para verificar se seus rostos combinavam com a fotografia. Outro soldado, segurando um cachorro farejador de drogas, pergunta: “Por que você está indo para a Ucrânia?”.
Natal
Nos vagões, o aquecimento é excessivo, mas serve para tirar o frio que gruda do exterior. Ao ingressar na zona rural ucraniana, pode-se ver pela janela árvores cobertas de neve e casas abandonadas. Borodianka, Bucha, Irpin, lê-se nas placas. Lugares de horror noticiados pela mídia mundial. Horror que continua, mesmo agora que o Natal está próximo. “Sabemos que nas famílias alguém irá faltar, entre os que morreram ou os que partiram para o front”, diz o Arcebispo Kryvytskyi. “Cada míssil que cai prolonga o processo de paz. E a paz não vem pela manhã, é precisamente um processo. Estamos vivendo um momento de metamorfose”.
Esperança de paz
“Devemos rezar pela paz, ter esperança de paz”, insiste Dom Kulbokas, que reitera suas esperanças de uma paz real, e não uma paz falsa que correria o risco de desencadear outras guerras no porvir. “Vejo nas mídias sociais”, acrescenta o diplomata, “numerosos vídeos segundo os quais a paz que a Rússia está pensando seria apenas um ‘cessar-fogo’ para se reorganizar e aniquilar a Ucrânia de uma vez por toda”. É isso que as pessoas aqui realmente temem”.