O concílio Vaticano II (1962–1965), por meio dos seus documentos, em particular, da Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, e do Decreto sobre o Apostolado dos Leigos, Apostolicam Actuositatem, marcou viragem positiva na avaliação dos cristãos leigos(a). A identidade e a ação dos leigos(a) foram definidas assertivamente por um Concílio pela primeira vez na história da Igreja. A própria estruturação da Lumen Gentium corroborou a perspectiva de mudança, ao refletir primeiro sobre o Mistério da Igreja (cap. 1) e sobre o Povo de Deus (cap. 2), para depois abordar a constituição hierárquica da Igreja (cap. 3). Em vez de partir da constituição hierárquica da Igreja, como procedia a eclesiologia anterior ao Concílio, partiu-se da condição fundamental de igualdade, dignidade e da vocação de todos os membros do Povo de Deus (LG 30). Concomitante à mudança de estrutura da Lumen Gentium, os leigos(a) foram caracterizados pelo Concílio a partir do tríplice múnus de Cristo (sacerdote, profeta e rei), recebido no batismo, em vista da missão comum a todos os membros da Igreja, fundamentando, de tal maneira, o apostolado laical no próprio Cristo. Em suma, o Concílio ofereceu as bases para o desenvolvimento e o reconhecimento da cidadania eclesial dos leigos(a).
Na esteira de atualização do concílio Vaticano II, a conferência do episcopado latino-americano, em Aparecida (2007), definiu os leigos(a) como “verdadeiros sujeitos eclesiais” (DA 497a), tanto no mundo (DA 210), quanto no interior da Igreja (DA 211; 213; 371), suplantando os resquícios, em vigor, de uma herança dicotômica acerca do específico de cada ministério: o mundo aos leigos(a) e a Igreja, ao clero. Os leigos(a) foram corresponsabilizados pelo mundo e pela Igreja. Em sintonia com a teologia do concílio Vaticano II e com a conferência de Aparecida, a CNBB publicou, em 2016, o documento 105 “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade: sal da Terra e Luz do Mundo (Mt 5,13-14)”, matizando e desenvolvendo a noção de “sujeito eclesial”. O cristão leigo(a) é “verdadeiro sujeito eclesial” mediante sua dignidade de batizado e, como tal, assume direitos e deveres na Igreja: “Ser sujeito eclesial significa ser maduro na fé, testemunhar amor à Igreja, servir os irmãos e irmãs, permanecer no seguimento de Jesus, na escuta obediente à inspiração do Espírito Santo e ter coragem, criatividade e ousadia para dar testemunho de Cristo” (Doc. CNBB, 105, n. 119).
A noção de “sujeito eclesial” remete à construção da identidade laical pelo viés afirmativo, como se disse acima. Embora as raízes da noção de sujeito remetam à revelação bíblica, a partir da relação de Deus com o homem, criado livre e à imagem e semelhança do criador para uma relação de comunhão, é na pessoa de Jesus que ela ganha sua mais lídima expressão, como reconhecimento do valor da dignidade da pessoa diante de Deus e dos semelhantes. Posteriormente, a teologia cristã e a filosofia alargaram tal compreensão tematizando outros aspectos relevantes da noção de “sujeito”, tais como: direitos, deveres, responsabilidades, liberdade, autonomia, consciência, relacionalidade, abertura, singularidade, crescimento e maturação. Diante da substanciosa herança da noção de sujeito, o que é necessário para que a compreensão do estatuto laical como “sujeito eclesial” se concretize na ação evangelizadora da vida pastoral da Igreja?
A compreensão do ministério laical como “sujeito eclesial” requer tanto nova mentalidade quanto nova configuração eclesial. A mudança de mentalidade da hierarquia e dos próprios leigos se exprime adequadamente na exigência de “conversão pastoral”. Significa, conforme o Papa Francisco, abandonar o cômodo critério “fez-se sempre assim” (Evangelli Gaudium, n. 33) ou nos termos do documento de Aparecida “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (DA, n. 370). A “conversão pastoral” implica em revisão e responsabilidades diferentes para os diversos membros do Povo de Deus. Da parte dos leigos(a), entre os principais obstáculos a debelar estão a passividade, a submissão e o infantilismo, em vista de uma participação madura, consciente e em comunhão com toda a Igreja, para alcançar, ousadamente, novos métodos e caminhos evangelizadores. Entre o clero, o inimigo quase inexpugnável é o poder, configurado na categoria clericalismo. Nesse caso, a “conversão pastoral” exige despojamento do carreirismo, da autorreferencialidade, enfim, do “mundanismo espiritual”. Consiste em reenviar permanentemente o ministério à sua vocação de diaconia.
Não basta apenas nova mentalidade para que o laicato se torne “sujeito eclesial”. Compatível à mentalidade que se arvora na Igreja, urge nova configuração eclesial. Sem a configuração institucional da Igreja à um modelo eclesiológico condizente (“Povo de Deus”, “Corpo de Cristo”, “Templo do Espírito Santo”, “Igreja Sinodal”, “sinal sacramental”, “Igreja em saída” e etc.,), que possibilite a escuta e a participação dos seus diversos sujeitos, capaz de viabilizar aos leigos(a) a ação de sujeitos, repetiremos as lacunas do passado: o ostracismo dos leigos e das mulheres nos espaços de decisão da vida eclesial. O Documento 100 da CNBB, “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia”, exprimiu com clareza a necessidade da conversão pastoral e reestruturação das paróquias. É mister operar uma reestruturação geral na atividade evangelizadora da Igreja: horários, métodos, prioridades, programas e organizações, para que tudo seja tocado pela missionariedade. A sinodalidade, recuperada no pontificado do Papa Francisco, exprime com profundeza os rumos para uma Igreja disposta a caminhar juntos e em comunhão. Como dinâmica de abertura e escuta dos diversos sujeitos do Povo de Deus, sinodalidade tem sido não apenas um vislumbre, mas uma realidade já iniciada, considerando, principalmente, os processos de escuta e de participação do “Povo de Deus” nos sínodos mais recentes, como o da família, da juventude, da Amazônia e outros sínodos regionais. Numa Igreja sinodal, o protagonismo da ação evangelizadora pertence não a um ou a outro “sujeito” do “Povo de Deus”, mas ao sujeito coletivo, a Igreja, que graças a ação do Espírito Santo e da comunhão que dele procede, expressa-se na capacidade de escuta, participação e comunhão entre seus membros.