Padre Fabio Baggio, fala sobre a nova pastoral para os deslocados internos. Afirma que são necessárias soluções e a colaborações ecumênica, inter-religiosa e institucional para responder ao grito das pessoas deslocadas
Cecilia Seppia – Cidade do Vaticano
A missão da Igreja universal, sob o estímulo de Francisco continua estender o olhar para as periferias físicas e existenciais, onde vivem por meses, anos, décadas, em situação de total indigência, famílias numerosas, sem ter nada, nem mesmo direitos fundamentais como o da dignidade. O objetivo do documento “Orientações pastorais sobre os deslocados internos” organizado pela Seção Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral é o de oferecer sugestões e diretrizes para acolher, proteger, promover, integrar, não apenas com palavras, mas com ações detalhadas e sinergéticas a ajuda aos deslocados internos. Deslocados que por causa de guerras, de conflitos étnicos, pela fome, pelas mudanças climáticas, são obrigados a abandonar suas casas e deslocar-se, dentro das fronteiras do próprio país, para buscar a garantia de um porvir para seus próprios filhos.
Entrevista com padre Fabio Baggio, que organizou o documento aceitando o desafio lançado pelo Papa Francisco.
Padre Baggio: Em janeiro deste ano o Papa Francisco abriu seu discurso ao Corpo Diplomático falando diretamente dos deslocados internos como um tema de atenção prioritária no que se refere à pastoral, que vai além, obviamente, das condições políticas, mas preocupa-se com o amor e o serviço que a Igreja quer sempre dedicar e dirigir a todas as pessoas que se encontram nas periferias existenciais do mundo e da nossa sociedade. Acredito que o Santo Padre tenha dado atenção aos deslocados internos porque são quase sempre invisíveis: não atravessando uma fronteira internacional, os deslocados internos ficam dentro do próprio país, sem deixar rastros ou sinais, tornando-se invisíveis na sua vulnerabilidade. Por isso a Seção Migrantes e Refugiados dedicou uma ampla reflexão aos deslocados internos convocando especialistas católicos, organizações internacionais católicas que trabalham com estas pessoas e em particular as Conferências Episcopais dos vários países. Portanto a centralidade deste documento que apresentamos hoje é um renovado compromisso de todos os principais responsáveis católicos para com todos os que sofrem esta tragédia. Assim como o Menino Jesus na fuga para o Egito, a tragédia, o drama de ter que abandonar a própria pátria, a própria cidade, a própria região e ter que viver em outra localidade com todas as condições de fragilidade que caracterizam este deslocamento.
Um documento que se desenrola em quatro verbos, as quatro ações ditadas pelo Papa para responder ao fenômeno migratório: acolher, proteger, promover, integrar…
Padre Baggio: Sim, eu gostaria de sublinhar um elemento de cada um dos verbos que devem ser declinados nas situações contingentes, mas não podemos pensar em cifras. Apenas em 2019 tivemos 33,4 novos milhões de deslocados internos, em 145 países. Os conflitos obrigaram a mais de 8,5 milhões de pessoas a se deslocarem dentro de seu próprio país, e ao invés, por motivos de calamidades e desastres naturais quase 25 milhões de pessoas em 140 países. São números altos dentro dos quais é preciso declinar os quatro verbos. Acolher, por exemplo, implica sempre o conhecer para superar a invisibilidade que muitas vezes caracteriza o deslocamento interno. Para proteger, ainda não existem instrumentos internacionais pois é confiado a cada um dos países. A proteção destas pessoas: um grande chamado para fazer um esforço extra para a proteção da dignidade e dos direitos desta gente. Promover: é necessário pensar na inclusão destes nossos irmãos e irmãs dentro dos processos de desenvolvimento considerando-os como um recurso e não uma dificuldade ou um problema. No que se refere a integrar, encontra-se um grande problemas quando existem rivalidades e discriminações portanto é necessário superar estas barreiras para se reconhecer como membros de uma mesma humanidade desejada por Deus, certamente únicos e irrepetíveis, mas unidos por esta humanidade que é fruto de uma criação divina.
No texto estão presentes orientações pastorais a serem divulgadas nas igrejas, aos agentes, mas também propostas práticas para sanear a dramática situação em que vivem os deslocados dentro do próprio país. São pessoas sem acesso à educação, ao trabalho, às propriedades, à saúde pública. Então o quinto chamado é o do agir…
Padre Baggio: Sim, embora vários países garantam alguns direitos de base para os deslocados internos, em certos países há situações emergenciais. Por exemplo, a imprevista superpopulação de centros urbanos, principalmente nas periferias, levam a exclusão de pessoas ao acesso a vários serviços. Ou senão, se fizermos referências aos campos de refugiados é preciso notar uma série de dificuldades ligadas à necessidade de suprir à educação, à instrução, mas também às necessidades primárias, de alimentos, de remédios, de alojamentos, de serviços higiênicos. Portanto é muito relevante, e isso queremos reforçar, levantar esta questão e dar-nos conta de que há necessidade de um esforço extra de colaboração e cooperação entre as várias entidades que participam. De fato, no documento acrescentamos também o verbo colaborar porque ninguém pode resolver este problema sozinho. Entidades que são, obviamente as institucionais junto com os católicos, as dioceses, as organizações e as congregações religiosas, também os que, tanto em nível interconfessional quanto inter-religioso, estão atuando no território. Portanto, novos projetos que nos possam unir com a base de uma fé comum ou pelo menos orientações comuns inspiradas na mesma espiritualidade para poder intervir juntos e prosseguir as operações em curso.
Como Igreja, o compromisso mais solicitado é fazer com que os deslocados entrem no sistema de proteção internacional para promover sua identificação e o reconhecimento formal…
Padre Baggio: As Igrejas locais sempre foram solicitadas a buscar formas de colaboração positivas junto às instituições responsáveis pelo socorro e ao serviço dos deslocados internos. Claro, a falta de um reconhecimento internacional e de uma proteção estabelecida por uma convenção comum aumenta a fragilidade, e isso devido à ausência de leis internacionais que deveriam fazer parte do pacote de proteção dos deslocados internos. Estamos sempre muito atentos aos processos que já estão tramitando na ONU e espera-se que neste ano se possa concretizar alguns deles. O objetivo é achar uma solução comum a um problema que não é apenas da Síria ou Iraque, mas da maior parte dos países do mundo.
Não podemos esquecer que os deslocados internos, assim como os que migram deixando seus próprios países, são vítimas do tráfico servo e sexual, por isso mais do que nunca precisam de tutela e proteção…
Padre Baggio: É verdade. Segundo os relatórios que recebemos de pessoas que trabalham dentro dos campos de refugiados, sabemos por exemplo que infelizmente o fenômeno do tráfico continua a crescer. A situação de vulnerabilidade, a falta de uma perspectiva de retorno à sua terra natal – muitos ficam anos, décadas fora – faz com que estas pessoas sejam uma presa fácil aos que lhes oferecem vidas imaginárias e enganadoras. Estas “ofertas” levam sempre ao trabalho servo, à exploração sexual, para exportação de órgãos e muitas outras tragédias que o tráfico proporciona.
Pensando na situação atual, qual é o apelo da Igreja para que estes invisíveis voltem a ser o centro de decisões e soluções de proteção e integração?
Padre Baggio: Unimo-nos à voz do Papa Francisco. Naquela sexta-feira chuvosa, de 27 de março, na praça São Pedro vazia, ele disse as seguintes palavras que foram repetidas também na mensagem de Páscoa Urbi et Orbi: não podemos e não devemos nos esquecer dos que vivem o drama atual e o vivem de um modo ainda mais grave porque são excluídos dos circuitos de ajuda e de tutela. Não nos esqueçamos dos que povoam as periferias existenciais que são nossos irmãos e irmãs!