Salvar almas ou salvar pessoas: Qual é a Missão da Igreja?

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Recentemente assistimos, estarrecidos, ao deplorável ataque à CNBB e ao Papa Francisco feito por um deputado da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. A atitude raivosa e descontrolada do referido deputado já o coloca numa situação difícil de ser respeitado.

A despeito da atitude reprovável do parlamentar, seus ataques podem servir também para nos fazer refletir. Vimos que o descompensado parlamentar se identificou com alguns grupos existentes dentro da mesma instituição que ele tão raivosamente atacou. Sua identificação imediata com tais grupos eclesiais nos deu a entender que tais grupos respondem aos anseios que ele tem em relação à Igreja de Jesus Cristo. Mas isso deve nos levar a pensar: é verdadeiramente de Jesus Cristo uma Igreja que tem posicionamentos e ideias que agradam e correspondem às expectativas de um tipo de pessoa raivosa, descontrolada e agressiva como o referido parlamentar? É preciso pensar que, se a Igreja compactua com pessoas que pensam e agem como esse parlamentar, ela já se perdeu do ensinamento recebido de Jesus Cristo.

Quanto de unidade fazemos questão de cultivar no seio dessa gigantesca instituição? Quanto nos importamos em buscar caminhos comuns, olhar para o mesmo horizonte, sermos fiéis ao mesmo Evangelho de Jesus Cristo? É imprescindível a unidade na diversidade. Daí a importância do caminho sinodal que o Papa Francisco tem insistido, desde o início do seu pontificado, em reinaugurar no modo de ser Igreja nesses tempos de tanta diversidade e desafios.
Os ataques do parlamentar, generalizando e atribuindo a todo o corpo episcopal os adjetivos: “safado, vagabundo e pedófilo”, também servem de alerta para que a Igreja saiba ser seguro em corrigir aqueles que cometem erros em seu seio. Que não se ponham “panos quentes” ou só troque de lugar dentro da estrutura eclesial a pessoa que errou e com isso não se busque uma efetiva solução dos problemas.

Há um outro erro nas palavras do deputado: uma interpretação sobre a missão da Igreja que de fato vigorou no período medieval, mas que caiu em completo desuso, porquanto seu equívoco hermenêutico. A compreensão de que a função exclusiva da Igreja seja a de “cuidar das almas” e a de que a função do Estado seja cuidar do que diz respeito às outras dimensões da vida das pessoas. Ledo erro! Tanto a Igreja quanto o Estado têm por função principal cuidar de pessoas. Portanto, sempre que a vida e/ou a dignidade das pessoas estiver sob qualquer tipo de ameaça é dever da Igreja manifestar-se contra quem as ameaça e em favor dos que se encontram em situação de vulnerabilidade.

“Salvar almas” é discurso de quem quer dominar, oprimir e enganar as pessoas em sua boa fé. A Igreja tem um papel histórico, mas de alcance trans-histórico. Historicamente ela anuncia a Boa Notícia do Evangelho de Jesus Cristo que defende vida com dignidade para toda e qualquer pessoa. Vida em abundância! (Jo 10,10). Prega e luta por fraternidade, justiça e paz. A Sagrada Escritura é clara em dizer que a paz é fruto da justiça! (Is 32,17). Trans-historicamente, para aqueles que creem, essa mesma Boa Notícia historicamente anunciada abre a possibilidade para uma vida eterna e plena junto de Deus, que chamamos céu. No entanto, para a fé cristã o céu já começa na terra, onde todos vivam com a dignidade de filhos de Deus. Portanto, a compreensão do deputado se equivoca ao delegar à Igreja a função de “salvar almas”, como se essas não habitassem corpos que necessitam de comida, abrigo, cuidado, respeito, educação de qualidade, cultura, afeto, proteção e tanto mais do que constrói uma pessoa.

O Papa Francisco e a CNBB, injustamente atacados, estão apenas sendo fiéis à longa Tradição da Doutrina Social da Igreja que sempre se posicionou contra qualquer tipo de violência e a favor dos direitos e deveres que promovam a qualidade de vida para todos. O Papa e a CNBB estão sendo fiéis ao Evangelho de Jesus Cristo: “Felizes sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de vós” (Mt 5,11-12).

Por Virlene Mendes

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